Seriam os relacionamentos mais seguros em doses" homeopáticas"?
Era uma vez uma cidade, não a mais bonita e nem a mais rica das cidades;
e também não era das piores. E seus habitantes moravam em unidades
habitacionais de 3 a 5 pessoas, em média. Alguns compartilhavam os quartos, os
mais ricos tinham sua própria suíte. E essa organização recebeu o nome de “família”,
independente de haver “laços de sangue” –
sangrentos – envolvidos.
As pessoas não eram exatamente muito felizes, mas como era meio tabu
dizer que estavam insatisfeitas, fingiam estar ou tentavam se convencer disso.
Sempre ocupadas, muito ocupadas – de modo
a não pensar muito no assunto. Afinal de contas não queriam ser tachados de “inadaptados”,
“difíceis” ou “neuróticas”.
E assim passavam os dias, mais ou menos insatisfeitas, tentando acreditar que estava tudo bem e que a vida é assim mesmo
. Não todos, por sorte havia os “rebeldes”, os pensadores e os questionadores.
Eles se reuniam numa espécie de gueto, já que refletir questões existenciais era tido como algo bastante perigoso ou estúpido,
pois não gerava dinheiro diretamente.
Doroteia e Eulália, duas dessas parias pensadoras, conversavam ao sair
de seus” empregos” – ou seja elas eram empregadas de uma organização :
- Dez horas com as mesmas pessoas e suas taras. Isso é insalubre.
- Suponho que sim. Acho que os relacionamentos deveriam ser em doses homeopáticas,
seria muito mais saudável.
- Sim, especialmente naquilo que se chama “família”. Você já reparou que
há tantos casais que ficam namorando anos e anos; depois resolvem morar juntos
ou casar e.... poucos meses depois, um par de anos depois no máximo ....estão
separados e brigados.
- Sim, se quer estragar um relacionamento vá morar junto.
- A Liga da Repressão e da Burrice diz que conviver é uma arte , que é
preciso aprender a conviver, que é convivendo que realmente se amadurece e conhece
as pessoas . Será?
- Parece que há algo
estruturalmente errado aqui. E se as pessoas estivessem desenhadas para passar
um determinado tempo umas com as outras; esse tempo poderia ser desde alguns
minutos a um par de horas, mas nunca 8/10 horas seguidas, e muito menos morar
na mesma casa?
- Como um prazo de validade ou segurança? – Riu nervosamente. – Quem sabe.
Quando uma comida excede o prazo de validade
- o tempo que a preservará saudável – o que acontece? Pode intoxicar e
até matar. Será que isso não vale para os relacionamentos?
- Então forçar as pessoas a exceder o tempo de convivência saudável é como forçar um peixe a sobreviver fora d’agua;
ou jogar um mamífero na água forçadamente . Isto iria contra a natureza das
pessoas.
- Sim, então não seria falha das pessoas por falharem nessa convivência.
Seria mais bem essa convivência estar descalibrada, não estar respeitando os limites saudáveis . Como
comer um alimento quando excedeu o prazo de validade ou o prazo de salubridade.
Eulália sorveu o último gole de seu café, olhou em derredor e
despediu-se da amiga.
- Lá vou eu agora exceder o novo prazo de salubridade, compartir uma casa
pequena com cinco pessoas.
- Boa sorte, amiga. Tente dormir e sonhar, na sua mente você é livre.
Deve haver um modo de recobrarmos nossa liberdade e bem estar em todas as áreas.
Doroteia pediu outra bebida e ficou pensando:
Será que os relacionamentos não deveriam ter um ponto de equilíbrio e
tempo ( tanto interno quanto cronológico) ... tantos minutos, ou tantas horas .
Além desse ponto entra-se em terreno perigoso. Ninguém é desejado 24 horas por dia.
Conviver é difícil e viver na mesma casa mais ainda. Mas será que é
questão de acusar as pessoas de incompetentes,
ou será que o problema está em que as
pessoas não estão programadas para
viver na mesma casa, ou para passar muitas horas juntas? Não seria isso uma agressão à natureza delas?
Mario acenou e veio sentar-se à mesa.
- Boa noite, Doroteia. No que está confabulando?
Se todas as pessoas pudessem
morar sozinhas e tivessem acesso a segurança,
conforto , comidas boas , casa limpa e
roupa lavada , etc – talvez morando perto,
talvez até na mesma quadra ou no mesmo prédio, mas em unidades individuais autossustentáveis,
quantas pessoas não escolheriam essa
opção ? Quantas pessoas continuariam morando na mesma casa?
- Algumas, talvez. Mas não creio que mais do que 20 ou 30% . Poderiam
até optar por uma casa única , mas com apartamentos individuais com entradas
independentes e acesso a uma área de convivência ; ofereceria privacidade e, quando desejado , companhia . Bastaria dosar de acordo com a necessidade e limite de cada um .
- Creio que pelo menos metade das pessoas que moram na mesma casa, naquilo que se chama
famílias, é por questões de
sobrevivência, econômicas e de facilidade : é mais barato ou é a única opção que elas
pensam que tem .
- Isso sem falar nas ideias espalhadas e idolatradas pregadas pela Liga
da Repressão e do Condicionamento: que a família é algo sagrado, que é o
propósito das pessoas, que é praticamente mandatório estar em casais – aquele que
não tem um companheiro/a é um desajustado, um coitado, um doente, etc e que
esse casal deve reproduzir: fabricar mais pessoas para continuar o circo.
- Os bebês humanos são muito frágeis
requerem cuidados 24 horas . Não admira que o relacionamento mães/filhos
gere tantos problemas. Como isso poderia ser resolvido? Talvez um bebê cuidado
por 3 ou 4 casais ? Ou por robôs? Ou meio a meio? Bem, esse é tema para nossa próxima conversa.